O DIAGNÓSTICO ANTECIPADO DE DOENÇAS
GENÉTICAS E A ÉTICA
Volnei Garrafa
O autor aborda a questão ética como uma forma de máscara para esconder o descaso do poder público com a saúde de uma forma geral, muito se discute sobre é tica e enquanto isso pessoas morrem por falta de atendimento.
A distância entre os excluídos e os incluídos na sociedade de consumo mundial – tanto quantitativa quanto qualitativame- é gritante. Enquanto os japoneses vivem aproximadamente 80 anos, em média, em alguns países africanos, como Serra Leoa, Burkina Fasso ou Malawi a média mal alcança os 40 anos. Um brasileiro pobre, nascido na periferia de Recife, no Nordeste do Brasil, vive aproximadamente 15 anos menos que um pobre nascido na mesma situação na periferia de Curitiba ou Porto Alegre, no Sul. O usufruto democrático dos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, portanto, está muito longe de ser alcançado. Esta é a dura e crua realidade: quem tem poder de compra vive mais, quem é pobre vive menos. E a vida passa a ser um negócio rentável para uns, inalcançável para outros... A saúde é substituída pela economia e suas teorias mirabolantes, em um mundo comandado pelo fundamentalismo econômico.
A genética vem para trazer um conhecimento maior sobre o ser humano que ajuda diretamente esse problema de saúde, no entanto os teste que antecipam diagnostico podem levar a uma nova forma de preconceito, visto que, não é por acaso, então, que a IAB estabeleceu o seguinte tema para sua reunião de diretoria, realizada na University of Central Lancashire, em Preston, na Inglaterra, entre 5 e 7 de dezembro de 1997: "Informação genética: aquisição, acesso e controle". Nessa reunião, as duas principais conferências tiveram títulos interrogativos e provocatórios: "Nós somos capazes de aprender da eugenia?" e "Os testes pré-natais são discriminatórios com relação aos deficientes?". Enfim, tudo o que foi dito até aqui reforça minha convicção de que os testes e os diagnósticos preditivos (antecipatórios) em genética guardam relação direta com as liberdades individuais e coletivas, com os direitos humanos, com a cidadania e com a própria saúde pública.
Neste sentido, um exemplo paradigmático é exatamente aquele do uso cada dia maior de testes genéticos na vida cotidiana das pessoas. Questões como o aborto, passam a ser colocadas não somente nos casos de más-formações, mas também de anomalias cromossômicas. Para os adultos, surge a questão da notificação do defeito (ou "doença") genético. A notificação deve ser feita somente ao indivíduo portador de gens "ruins", ou também à sua mulher, filhos, irmãos e demais parentes? Em particular nos Estados Unidos, as conseqüências disso tudo são da maior seriedade social, pois não somente empregadores e empresas seguradoras, mas também escolas e mesmo cortes de justiça, buscam respostas de alta eficácia, com custos mais baixos e menores riscos. E utilizam, cada vez mais, a técnica dos testes.
Após tais reflexões o autor disserta sobre o outro lado dos testes, a parte positiva, e assim, defende veementemente a discussão moral e ética sobre tais testes sem que tais procedimentos transforme-se em obstáculos para a melhoria da nossa saúde.
A adoção de normas e comportamentos moralmente aceitáveis e praticamente úteis, requer tanto o confronto quanto a convergência das várias tendências e exigências. Ou seja, requer o exercício da tolerância e da pluralidade. A tolerância deve ser total, se entendida como respeito aos pensamentos e opiniões alheias, mas o mesmo não pode se afirmar dos atos que muitas vezes os acompanham. A intolerância e a unilateralidade, porém, são fenômenos freqüentes tanto nos comportamentos cotidianos quanto nas atitudes em relação aos problemas de limites que surgiram mais recentemente e que crescem todos os dias.
Assim, suas últimas palavras são o resumo ideal do seu artigo:
Concluindo, devo dizer que o controle social sobre qualquer atividade de interesse público e coletivo a ser desenvolvido, é sempre uma meta democrática. Nem sempre ele é fácil de ser exercido. No caso da bioética, da genética e, especificamente, dos testes preditivos, a pluri-participação é indispensável para a garantia do processo. O controle social – por meio do pluralismo participativo - deverá prevenir o difícil problema de um progresso científico e tecnológico que reduz cidadão a súdito, ao invés de emancipá-lo. O súdito é o vassalo, aquele que está sempre sob as ordens e vontades de outros, seja do rei ou de seus opositores. Essa peculiaridade é absolutamente indesejável em um processo no qual se pretende que a participação consciente da sociedade mundial adquira papel de relevo. A ética é um dos melhores antídotos contra qualquer forma de autoritarismo e de tentativas de manipulação.
Artigo publicado originalmente na Revista: O Mundo da Saúde, São Paulo - SP, v. 24, n. 5, p.
424-428, 2000 – Republicação autorizada pelo autor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário